segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Antes que elas cresçam.

Que lindo texto de Affonso Romano de Sant'anna escrito em 1987. Por isso, resolvi compartilhar...

'Antes que elas cresçam'

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

10 comentários:

  1. Eu já conhecia esse texto, acho lindooo e emocionante, além de verdadeiro!
    Boa semana, Ana Maria! Bjs.

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  2. Tão verdadeiro!
    Realmente, os filhos crescem demasiado depressa.
    Beijinhos, Ana!

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  3. Para mim, o tempo foi rápido demais. Qdo me dei conta, estavam crescido. E eu mãe-orfã.

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  4. Lindo texto!!!
    Nada posso dizer como é ter filhos e vê-los crescer, pois não os tenho... mas gostaria muito...
    abs,

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  5. Ana, que texto lindo!! Realmente tudo passa muito rápido, a minha pequena já não é mais tão pequena, o meu menininho já tá virando um mocinho, tento aproveitar ao máximo cada momento com eles, pois sei como o tempo passa,passa.... Beijossss e tava com saudades daqui!!

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  6. Gente!! Que texto lindo...reflete exatamente o passar dos anos de uma maneira tão harmoniosa!! Bjs. Sandra

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  7. Aninha,
    ahhh! que saudade do tempo que a Maari queria ficar no meu colo....passa rápido..é uma verdade...todos são iguais só mudam de endereço. Beijos

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  8. è verdade ,crescem derrepente...kkkk
    e ficamos se sentindo mãe órfã
    os netos também , os meus já se foram.
    bjssss

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  9. q lindo texto ana...ainda não sou mãe, mas me sinto amadurecendo e me desgarrando da minha mãe, e isso não deve ser nada fácil pra ela...amei o texto! bjim

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  10. Oi Ana
    Este texto do Afonso Romano é belíssimo, eu adoro, não me canso de ler e apreciar.
    Beijo.

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Agradeço, Ana Maria